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ENTREVISTA: Agricultura sustentável – uma nova forma de produção agrícola

ENTREVISTA: Agricultura sustentável – uma nova forma de produção agrícola

Jose Graziano

(Belo Horizonte – 18/9/2019) José Graziano, ex-diretor-geral da Organização das Nações Unidas  para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e autor de vasta publicação sobre temas como segurança alimentar, desenvolvimento rural, reforma agrária, modernização agrícola e questões relacionadas com os trabalhadores rurais, falou sobre agricultura sustentável na mais recente edição da revista Informe Agropecuário, que aborda o tema “Tecnologias para o manejo sustentável de pragas e doenças”. Confira, na íntegra, a entrevista, concedida à jornalista Vânia Lacerda, editora-chefe da publicação.

José Graziano da Silva possui graduação em Engenharia Agronômica, pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – Universidade de São Paulo (Esalq-USP); mestrado em Economia e Sociologia Rural, pela USP; doutorado em Ciências Econômicas, pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); pós-doutorado em Estudos Latino-Americanos, pela University College of London, e Estudos Ambientais, pela University of California. José Graziano trabalha com segurança alimentar, desenvolvimento rural, reforma agrária, modernização agrícola e questões relacionadas com os trabalhadores rurais há mais de 30 anos, com destaque para atuação como arquiteto do Programa Fome Zero, no Brasil e como diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). É autor de vasta publicação sobre estes temas, com diversas palestras, que resultaram numa atuação preponderante e reconhecimento internacional. À frente da FAO por dois mandatos consecutivos (2011 e 2015), Graziano aprimorou estrategicamente a organização, fortalecendo sua presença no campo. Trabalhou também para incentivar uma melhor cultura de relação custo-benefício. No âmbito internacional, seu foco sempre foi construir um consenso sobre questões relacionadas com a segurança alimentar.

IA O que é, na sua opinião, agricultura sustentável?

José Graziano – A atividade agrícola e o meio rural estão intrinsecamente comprometidos com a plena realização, a longo prazo, dos objetivos estratégicos definidos na Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU). Portanto, o conceito de sustentabilidade de um ponto de vista macrossocial deve dar conta de todas estas dimensões, que vão muito além daquelas dos limites do sistema produtivo. Além de zelar pela manutenção e recuperação do meio ambiente, incluindo aí as águas, o ar e os solos crescentemente impactados pelas mudanças climáticas e ações antrópicas etc., a agricultura sustentável deve contribuir, ainda, para reduzir a pobreza e as desigualdades sociais intra e entre países, eliminar a fome e promover modos de vida dignos para todos, sem discriminação de raça ou de gênero. É muito mais do que uma opção tecnológica, é uma nova forma de relacionar-se com a produção agrícola e, por meio desta, relacionar-se com a sociedade e o ambiente atuais e futuros.

IA – O combate à fome no mundo pode ser encarado separadamente da prática de uma agricultura sustentável?

José Graziano – Não, do contrário só agravaremos a situação atual. Hoje, a maioria das pessoas, que sofre de fome aguda ou crônica, está nas áreas rurais. Se não promovermos sistemas produtivos que visem alcançar os objetivos da Agenda 2030, o problema pode agravar-se muito rapidamente. Mas é preciso observar que grande parte da fome, que hoje assola fração significativa da população mundial, deve-se a crises políticas, agravamento das condições climáticas e também dificuldade de acesso ou baixo poder aquisitivo para comprar alimentos. A agricultura deve ser pensada e compreendida dentro deste contexto.

IA – Qual a importância da agricultura familiar e do agronegócio no desenvolvimento global, na segurança alimentar e na preservação dos recursos naturais e da agrobiodiversidade?

José Graziano – A agricultura empresarial e a agricultura familiar cumprem papéis relevantes, porém diferenciados no atual momento. Segundo dados da FAO, agricultores familiares em diversas regiões do mundo representam 90% dos 570 milhões de estabelecimentos rurais e, embora tenham em torno de 12% da área agrícola, produzem uma parte considerável dos alimentos para o mundo. Os estabelecimentos empresariais dedicam-se mais a uma pauta de produção diferente, mais adaptada à grande escala, como grandes lavouras, florestas, pecuária bovina etc. As duas formas continuarão a existir no curto prazo e, necessariamente, deverão promover mudanças em direção à sustentabilidade tal como a conceituamos anteriormente.

IA – Como conciliar a “missão”, que tem sido dada ao Brasil, de “alimentar o mundo” com a prática de uma agricultura sustentável no País?

José Graziano – O Brasil, de fato, tem um grande potencial produtivo. No entanto, na ânsia de explorar esta capacidade, não se deve descuidar dos demais objetivos. A harmonização destes objetivos deve ser buscada por meio de um marco regulatório e institucional público adequado que observe todos os aspectos não só econômicos, mas também ambientais e sociais. O mercado proporciona estímulos à produção imediata; entretanto, aspectos sociais, ambientais, de médio e de longo prazos devem ser preocupação das políticas públicas.

IA – Quais as áreas consideradas mais críticas para as transformações estruturais significativas para sistemas alimentares e agrícolas sustentáveis?

José Graziano – A partir da minha experiência na direção-geral da FAO, pude identificar algumas áreas prioritárias: acesso ao crédito e a serviços financeiros que priorizem a sustentabilidade dos sistemas alimentares em toda a sua amplitude; facilitação do acesso do produtor rural aos mercados consumidores, com ênfase nas suas novas demandas por alimentos mais saudáveis; encorajar a diversificação de produtos e as redes locais de produção e consumo, especialmente no caso de frutas e de verduras; promover o manejo sustentável do solo, dos recursos hídricos e da biodiversidade, mantendo ou recuperando sua qualidade; e adaptação e mitigação às mudanças climáticas. Teria uma lista enorme de medidas ainda a mencionar, mas cabe destacar que todas devem ser tratadas de um modo integrado, considerando as sinergias e os efeitos negativos resultantes de suas interações, levando-se em conta as particularidades de cada localidade. Na medida do possível, essas medidas devem ser respaldadas por políticas públicas e seus instrumentos, a fim de as instituições serem incentivadas e fortalecidas, mediante parcerias entre agentes de governos e produtores, universidades e centros de pesquisa, além das organizações da sociedade civil interessadas no tema. É fundamental que se estabeleça um diálogo democrático, bem como mecanismos de governança inovadores para imprimir uma nova dinâmica na sustentabilidade dos sistemas alimentares.

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A publicação pode ser adquirida na Divisão de Negócios Tecnológicos da EPAMIG (31) 3489-5002 / publicacao@epamig.br ou pelo site www.informeagropecuario.com.br.

Preço: R$15,00

 

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