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Técnica de dupla poda da videira adaptada pela EPAMIG consolida novo polo  vitícola no Brasil

Técnica de dupla poda da videira adaptada pela EPAMIG consolida novo polo  vitícola no Brasil

Dupla poda faz com a colheita das uvas para a produção de vinhos finos ocorra no inverno – Foto Divulgação EPAMIG

(Belo Horizonte – 29/9/2021) – A adoção da técnica da dupla poda da videira fez com o Sudeste brasileiro conquistasse espaço na produção nacional de vinhos finos. O método, adaptado pela Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG), consiste na inversão do ciclo da videira pela realização de duas podas anuais, o que possibilita que o período de maturação e de colheita das uvas aconteça no inverno, período com menor incidência de chuvas e elevada amplitude térmica (diferença de temperatura entre o dia e a noite).

“Os vinhos de inverno produzidos aqui no Sudeste têm padrão de qualidade reconhecido em concursos nacionais e internacionais. Essa qualidade chamou a atenção do setor produtivo que vem investindo na formação de novos vinhedos e na construção de vinícolas. Hoje, já encontramos vinhedos em oito das 12 mesorregiões de Minas, além de áreas produtoras nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo, na região Centro-Oeste do Brasil e na Chapada Diamantina”, conta a coordenadora do Programa Estadual de Pesquisa em Vitivinicultura da EPAMIG, Renata Vieira da Mota.

A prática começou a ser testada no início da década de 2000, quando o então pesquisador da EPAMIG, Murillo de Albuquerque Regina, retornou de doutorado na França, onde avaliou que as condições necessárias para se produzir uvas sadias e aptas para a obtenção de vinhos finos, eram bastante semelhantes às características do inverno na região cafeeira do Sul de Minas. “Entre os meses de maio e agosto temos no Sul de Minas o clima ideal para a produção com qualidade, caracterizado pela combinação de dias ensolarados, noites frias e solo seco”, explica Murillo, que é vitivinicultor e presidente da Associação Nacional de Produtores de Vinhos de Inverno (Anprovin).

Vinhos de inverno têm se destacado entre os consumidores e em premiações – Foto Erasmo Pereira

Os primeiros vinhos obtidos pela técnica chegaram ao mercado no início da última década e logo conquistaram espaço no circuito gastronômico e premiações nacionais e internacionais. Atualmente, a prática tem se expandido entre outras regiões que possuem características semelhantes, amplitude térmica, altitude e pouca precipitação no inverno.

Produção diferenciada

O pesquisador da EPAMIG Francisco Mickael Câmara reforça que para a produção de vinhos finos de inverno as exigências são bem distintas das práticas de tradicionais regiões produtoras, onde a maturação e colheita das uvas acontecem no verão. “A dupla poda não se aplica, por exemplo, às regiões produtoras do Sul do Brasil. Lá o inverno é chuvoso e o frio é mais intenso. Regiões onde há geadas frequentes não são aptas para a dupla poda”, afirma.

Além de não tolerarem geadas, as videiras entram em dormência e não se desenvolvem em temperaturas mínimas abaixo de 10ºC. Outros fatores a serem considerados são a exposição geográfica, a topografia do terreno e o relevo. “Quem quer produzir vinhos de inverno deve escolher regiões com altitude entre 600m e 1000m. Isso pode variar um pouco em função da latitude. Em algumas áreas do Norte de Minas e do Centro-Oeste do Brasil, se produz vinhos de inverno com altitudes mais elevadas, porque há menos risco de incidência de temperaturas mais baixas que 10ºC”, observa Francisco.

Atividade requer bom planejamento e investimento alto – Foto: Francisco Mickael Câmara

O pesquisador alerta que o bom planejamento é essencial para o sucesso na atividade. Os cuidados devem começar na escolha das mudas, passando pelo preparo da área, acompanhamento do ciclo, controle de doenças, adubação do solo, até a colheita. “O produtor deve pensar em qual vinho quer produzir, qual mercado quer alcançar, como vai comercializar e lembrar que o prazo mínimo para ter o vinho pronto e engarrafado é de três anos”.

O investimento é alto, em torno de R$70 mil por hectare para a implantação do vinhedo, cerca de R$40mil a R$50 mil em manutenção do segundo para o terceiro ano, quando deve ser realizada a primeira poda de produção. Além do custos de vinificação, envelhecimento, envase, rotulagem. “Caso queira investir em uma vinícola própria para 60 mil litros, os custos são de, aproximadamente, R$3 milhões”, aponta Francisco, destacando que os equipamentos são importados e cotados em dólar. O retorno vem a médio e longo prazo. “A tendência é que o investimento em campo se pague entre 10 e 12 anos”, informa o pesquisador.

Vinhos Nobres

Vinhos Nobres possuem teor alcoólico diferenciado, equilíbrio e elevado potencial de guarda – Foto Erasmo Pereira

Até poucos anos atrás, vinhos com teor alcoólico superior a 14% eram classificados como licorosos. Os vinhos de inverno do Sudeste brasileiro, embora com potencial para atingir a taxa de 16%, não se assemelhavam a essa categoria. Por essa razão, os produtores da região pleitearam uma alteração na legislação em busca de uma nova classificação. Depois de várias negociações surgiu a denominação, vinhos nobres, que abrange vinhos na faixa entre 14,1% a 16% de álcool.

O pesquisador Francisco Mickael explica que essa taxa de álcool não indica que os vinhos de inverno sejam desequilibrados. “Ao contrário, os vinhos de inverno têm esse potencial porque a uva acaba maturando em condições de estresse hídrico moderado, ideais para que possam fotossintetizar e produzir mais açúcares e, consequentemente, mais álcool, o que aliado a uma acidez elevada possibilita a obtenção de um vinho equilibrado e com potencial de guarda enorme”.

Os vinhos de guarda são aqueles que com o envelhecimento melhoram e potencializam suas qualidades. “Quando bem elaborados, os vinhos de inverno são os melhores para a guarda, pois têm potencial para irem para a barrica e ficarem por 10, 20 anos na garrafa e competir com vinhos internacionais elaborados para esse fim”, conclui o pesquisador.

Novos rumos da pesquisa

A pesquisadora Renata Vieira da Mota ressalta que, à medida em que a metodologia da dupla poda se difundiu, novas demandas surgiram e modularam as ações da pesquisa. “Temos realizado estudos de adaptação de cultivares a este manejo, pois o consumidor tem interesse em provar vinhos de diferentes características sensoriais. Este é um estudo constante, enquanto estamos finalizando os testes com variedades francesas e portuguesas, já temos demanda em relação a cultivares italianas, e a cada ano os produtores querem conhecer a resposta de variedades ainda não cultivadas no Sudeste, ou no Brasil, para atender a demanda do mercado”.

O uso de porta-enxertos mais vigorosos é uma das alternativas avaliadas para aumentar a produtividade de cultivares como Merlot e Cabernet Sauvignon. “Nos testes iniciais, utilizando o porta-enxerto 1103 Paulsen, que tem vigor moderado e é o mais recomendado para a Syrah, essas cultivares apresentaram perda de produção ao longo das safras”, explica Renata. A pesquisadora destaca também outros trabalhos já em andamento. “Iniciamos o estudo da interação do ambiente na composição do vinho, conhecido como terroir viticola. O mapeamento é o primeiro passo na busca de indicações geográficas, visando contribuir com o setor na busca de diferenciais nos perfis dos vinhos de colheita de inverno”.

Há ainda pesquisas em vitivinicultura de precisão. “Estamos trabalhando, em parceria com a Embrapa Instrumentação, buscando a melhoria do sistema de produção e o emprego de tecnologias para reduzir custos e aumentar a qualidade. Em um mesmo vinhedo, características de relevo e solo podem conferir necessidades de manejo diferentes e alterar o grau de maturação das bagas. O conhecimento destas zonas e seu manejo diferenciado podem levar à produção de vinhos com diferentes características sensoriais e, consequentemente, a diferentes rótulos”.

Renata finaliza listando as próximas ações. “Estamos buscando financiamento para estudos que irão focar na qualidade aromática e química dos vinhos, com a identificação de compostos benéficos à saúde, presença de resíduos de agroquímicos e transformações químicas e sensoriais durante o envelhecimento na garrafa ou em barricas, tanto de madeiras tradicionalmente utilizadas para esse fim, como em barricas de madeiras nativas do Brasil”.

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